assim
- Vanessa Reis
- 21 de set.
- 4 min de leitura

Por que estão tentando naturalizar o estado de exaustão? Quem pensou, pela primeira vez, que estar exausto fosse normal? Pior, saudável. Pior, corriqueiro. Pior, igual a beber um copo com água quando se tem sede.
Enquanto os sorrisos são escondidos pelas máscaras, os olhos não conseguem desempenhar esse papel. Desculpe-me, Tyra Banks, não teremos ‘smize’. Eles estão cansados. Porque eles estão cansados. E não importa para onde ou quem você olhe, o abatimento é real. Ele se esconde nos segundos em que sorrimos para uma selfie. Se camufla na melodia daquela canção feliz. Se disfarça na felicidade ao assistir a um filme ou ler um livro que gostamos muito. Mas ele está lá, tão certo quanto o ar que respiramos ou que o Julius "vai estar lá" para o Malvo.
"Achou que eu tava brincando?", o Julius perguntou nessa mesma cena. E eu gostaria de dizer que sim. Mas tudo o que eu sei é que o cansaço não brinca em serviço. A sensação que temos é que nossa bateria esgota assim que é dada a largada. E o que fazemos com um celular de bateria viciada? Descartamos. Então eu também não sirvo quando exausta. Mas eles dizem que eu preciso aprender a viver exausta porque isso é normal. Então esse é o tal novo normal? Era esse o normal tão esperado para quando a pandemia acabasse? Um exército de pessoas cantando aquela das Chiquititas que repete, num refrão “estamos cansa-cansadas, não aguentamos mais, cansadas!”?
Deve ser. Por que se não fosse normal, como uma criança de 03 anos fala latim fluentemente ou uma adolescente de 13 anos construiu sua primeira empresa em Vênus ou Joãozinho, primo de segundo grau, passou em todos os concursos federais e, olhe só, consegue trabalhar em todos eles? [contém ironia, amado leitor, por favor, não me leve a sério, eu também estou exausta]. Porque eles venceram a exaustão. Oh, que bonito, palmas para eles. Porque eles são a exceção, grita um engravatado do fundo da sala, arrancando aplausos de dois ou três enquanto quatro ou cinco, também exaustos, respiram fundo se agarrando ao fato de estarem cansados demais para perder o réu primário por bobagem.
O que esqueceram de contar para o engravatado aspirante a exceção é que, até mesmo os exemplos de sucesso que são ícones de glamourização da exaustão convivem com o fracasso diário. Byung-Chul Han abordou sobre isso em sua análise acerca da "sociedade do hiperconsumismo". Ele chamou de sociedade do cansaço ao afirmar que "hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização." Somos algozes de nós mesmos, nos cobrando perfeição, exceções, desempenho, metas, pódios; exaustão: um completo desserviço à nossa saúde mental. Um completo desserviço.
Eu não quero me orgulhar por não ter tempo para nada nem por trabalhar demais como se isso fosse sinônimo de sucesso. Sucesso, para mim, é ter tempo para fazer o que gosto e quero, apesar das minhas obrigações. Ser multitarefa ou manter uma agenda em que se anota o horário de fazer xixi é tão prejudicial quanto a confusão do que é público e privado, porque a reinventa: eu dou nomes corporativos às relações interpessoais. Eu acho que pirei também, Sandy & Jr, mas isso deve ser reflexo daquela naturalização do estado de exaustão sobre o que a gente estava conversando no começo do texto. Desculpem-me se me perdi, querido leitor.
A sociedade esgotada, com Síndrome de Burnout, que não sabe descansar ou não consegue acolher o silêncio ou as lacunas de um cronograma que não traz respostas automáticas e estímulos externos o tempo inteiro. A sociedade esgotada que se culpa o tempo todo por não ser produtiva, por não estar fazendo malabarismos para realizar trinta mil tarefas ao mesmo tempo, por achar que está perdendo tempo por apenas se dedicar a uma coisa por vez.
Gabriel Guedes de Almeida, numa de suas canções, repete insistentemente "assim que eu luto minhas guerras". Certa vez vi um tweet perguntando como que ele luta e alguém deu RT com a palavra "assim", em resposta. Foi engraçado. E me fez pensar que é exatamente isso. Lutamos nossas guerras ASSIM. Desse jeito torto e desajeitado, caminhando em solo firme, porém rachado, desfazendo-se das ideias de sermos infalíveis ao adicionar outras tantas sobre como o ser. ASSIM, nessa contradição de ser humano que é humano, mas tudo o que não quer é parecer humano. E é um choque enorme a pessoa forte e perfeita ver no espelho uma imagem desgastada e abatida.
Eu estou exausta e isso me faz encarar de frente a pessoa vulnerável que habita em mim. Por vezes eu queria delegar a minha vida para a primeira pessoa que passasse na rua (graças a Deus, sou controladora demais e essa vontade morre antes mesmo de nascer como um pensamento completo!). Noutras, gostaria que alguém me abraçasse e prometesse que tudo iria ficar bem. Às vezes eu queria ser cuidada com a compreensão de que, mostrar fraqueza, é a maior força que possuo. Na maioria das vezes eu me convenço de que tá tudo bem apesar de tudo. E, assim, as minhas batalhas diárias são travadas. E, assim, as minhas batalhas diárias são vencidas: assim.
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